Por Maria Cristina Lahr
Tempo de leitura: 7 minutos
Na semana retrasada conversamos um pouco sobre o papel do concierge nos meios de hospedagem e em outros segmentos do setor de serviços (se você não leu clique aqui e entenda um pouco mais sobre esse profissional).
Nesses quase 20 anos de sala de aula (completo com muito orgulho essa marca em agosto próximo) todas as vezes que eu falei sobre o profissional concierge, surge uma pergunta entre os alunos: Qual a diferença entre o trabalho do concierge e do mordomo? E essa pergunta sempre me faz viajar no tempo.
Entrei na faculdade de hotelaria no século passado (a Fran, nessa época estava cursando a oitava série – piada interna). Estudei no interior do estado (Campi do SENAC de Águas de São Pedro) e me lembro, como se fosse ontem, a primeira vez que viemos fazer uma visita técnica em um hotel da capital. Chegamos de ônibus fretado na porta do emblemático Macksoud Plaza e passamos um dia inesquecível . Achei tudo maravilhoso: instalações luxuosas, tecnologia, serviços personalizados, mas, tive uma decepção: não conheci o mordomo (neste dia ele estava em atendimento a um hóspede VIP).
Muito tempo depois, já na carreira acadêmica tive alunos mordomos, colegas de trabalho (grande João José Corrêa - deixo aqui registrada minha eterna admiração pela forma apaixonada que você vive e aplica o servir) e tive um professor no curso de mordomia, Sr. Queiroz. A foto acima foi do dia em que o conheci – “tietei” até não poder mais. Olhem só minha alegria, dá pra ver o brilho dos olhos. A foto no final do texto foi com meus colegas em uma aula do curso de mordomia há alguns anos atrás!
Nesta semana tive a oportunidade inigualável de bater um papo com esse ser humano e profissional encantador sobre os anos todos que trabalhou como mordomo e quero dividir com vocês essa experiência. Espero, através desta prazerosa conversa, explicar quem é esse profissional e o que ele faz em seu dia-a-dia nada rotineiro.
O post de hoje é a primeira parte da entrevista (aguardem, a segunda parte sai na semana do dia 26 de julho) e é um tributo ao serviço e à dedicação desses profissionais, mas é também uma homenagem ao Sr. Bene Queiroz que dedicou sua carreira a servir, mimar e encher de mordomias os mais ilustres hóspedes que já passaram por São Paulo. A partir dessa conversa vou tentar desenhar os conhecimentos, as habilidades, e as atitudes do profissional hoteleiro de excelência.
Te convido a preparar um café e me acompanhar nesta conversa deliciosa com o mordomo!
Quem é o Sr. Benê Queiroz?
Apaixonado pela vida, por desafios, por servir, por aprender e ensinar. Dedicado a “fazer acontecer”, escritor, professor e palestrante. Atuou em várias funções da hotelaria e recentemente encerrou sua carreira no tradicionalíssimo Tivoli Moffarrej como mordomo. Escreveu quatro romances – seus filhos, como ele mesmo diz (para saber mais sobre as obras clique aqui).
É com muito prazer que reafirmo, que além disso tudo foi nosso professor (meu e da Fran) no curso de Mordomia oferecido pelo Senac Aclimação. Somos muito privilegiadas!
Benê Queiroz sempre se interessou em aprender, a fazer o que ninguém gostava de fazer. Sempre procurou ir além do básico para assim se desenvolver na profissão.
Enfim, o Sr. Queiroz é aquele profissional que acredita que é melhor falhar do que nunca ter tentado. Uma verdadeira inspiração a todos aqueles que estão em busca de um “lugar ao sol” na hotelaria.
O caminho percorrido
Sr. Benê Queiroz chegou onde chegou acertando e errando. Na nossa conversa ele contou, que iniciou na hotelaria como telefonista em um hotel em Salvador e por suas características de proatividade, prestatividade, atenção e por ter fluência na língua inglesa foi promovido a telefonista internacional.
Em 1986 chegou em São Paulo e iniciou, no legendário, Macksoud Plaza como order taker (anotador de pedidos na tradução literal). Nesta época, solicitou ao maître um estágio no room service. Seu desejo era entender o que acontecia depois que ele anotava o pedido do hóspede na comanda e entregava para a cozinha. Com o aval do maître, Sr. Benê Queiroz chegava todos os dias duas horas mais cedo e arrumava a mesa de transporte, servia vinho, champanhe, almoços e jantares nos apartamentos. Na época ele não sabia, mas talvez a mordomia tenha começado aí!
Em seguida foi trabalhar no Hilton da Avenida Ipiranga (a hotelaria paulistana é dividida entre antes e depois do Hilton, como ele diz) como chefe de telefonia e lá se desenvolveu e atuou na recepção, no caixa da recepção e na conciergeria. Ficou nesta instituição por nove anos.
Outros hotéis vieram antes de assumir a mordomia de um dos mais tradicionais e luxuosos hotéis de São Paulo. Sr. Queiroz coleciona lindas e desafiadoras histórias desses tempos e as conta com brilho nos olhos e sorriso nos lábios.
Uma vida de realizações
Quando eu perguntei para o Benê Queiroz sobre sua maior realização profissional senti emoção e lágrimas em suas palavras. Ele descreve suas realizações como tão grandes, intensas e profundas que não conseguiria eleger a maior de todas elas. Fiquei emocionada também. Existe coisa mais prazerosa que olhar pra trás, observar sua carreira, seu trabalho e ver que tudo aquilo foi maravilhoso? Depois de anos dedicados aos hóspedes, quantas alegrias, quantas lembranças.
Ele conta, com muita descrição, que uma grande realização foi o cuidado de celebridades após a cirurgia plástica e o acompanhamento de pessoas ilustres em momentos de fragilidade de saúde. Achei muito interessante a relação que ele fez com a parábola que Jesus contou sobre a ovelha perdida. “São cem ovelhas, mas há uma que precisa mais de mim naquele momento, precisa da minha atenção”. Ele encerra essa resposta com lágrimas nos olhos dizendo que a maior de todas as realizações é ter feito tudo o que fez com muito amor! Que exemplo....
“Não há montanha tão alta que eu não possa subir”
Perguntei sobre os maiores desafios da profissão de mordomo e ele iniciou a resposta com a frase que dá nome a essa seção. Ele lembra que não chegou ao topo de todas as montanhas que subiu, mas que jamais deixou de tentar.
Para ele um dos maiores desafios é tratar com hóspedes que estão muito nervosos, emocionalmente descontrolados e acabam agredindo verbalmente o funcionário que está ali tentando manter a calma para ajudar na resolução dos problemas. Acredito que o ser humano é desafiador para qualquer profissional. Somos únicos: temos desejos, necessidades, humores e adversidades diferentes e qualquer cargo que atenda diretamente ao público pode ser mesmo uma montanha. Montanha essa que jamais será maior que a satisfação em resolver, ser útil e servir.
Situações engraçadas ou constrangedoras?
Sr. Benê Queiroz propõe a todos seus alunos que façam um juramento: “Nunca, jamais entrar no quarto do hóspede sem bater na porta”! Ele comenta que é muito constrangedor quando isso acontece. Muitas vezes o hóspede pode estar em uma situação ou condição em que não quer (nem precisa) ser incomodado.
Fico imaginando como deve ser para um mordomo, que trabalha de forma tão próxima ao hóspede, quando isso acontece. O Sr. Queiroz diz que nada desse tipo é assim engraçado no momento que acontece, mas pode ser divertido quando os ânimos já se acalmaram e o problema já foi resolvido. Ele conta uma situação em que precisava manter uma pré-adolescente acordada (ela estava em tratamento oncológico), e por ordens médicas, precisava deixar o ambiente bem frio e abaná-la. Ela tinha de ser incomodada para não cair no sono. Logo o mordomo, o profissional que se dedica a satisfação, ao encanto e a realização, provocando a perturbação!
Quais são as características de um mordomo (a) excelente?
Para Benê Queiroz, o hoteleiro precisa ser uma pessoa delicada, atenciosa, dedicada, prestativa, compreensiva, andar um quilômetro a mais, ficar acordado uma hora a mais, não se cansar, ter os braços sempre estendidos a receber. Além disso é preciso “ter um sorriso esculpido no rosto”, ser verdadeiro. Percebam que não se trata apenas das qualidades de um mordomo, mas de um hoteleiro em qualquer cargo que assuma.
“A característica do mordomo é acolher, abraçar sem usar os braços, é falar com os olhos, é tocar no coração do hóspede e diminuir a dimensão de seus desafios”. O mordomo, através da gentileza, do carinho e da dedicação faz com que o hóspede se esqueça, por alguns instantes, das desavenças que passou durante um dia de trabalho.
Quantas informações... vou ficando por aqui para deixar um gostinho de quero mais no ar. No meu próximo post, continuo a conversa com Benê Queiroz para entender como é o dia-a-dia de trabalho de um mordomo em um hotel de luxo e conto para vocês as preciosas dicas do mordomo para seguir ou entrar nesta incrível e enigmática profissão.
Que você tenha uma semana cheia de mordomias!
Nos encontramos em breve;
Cris ou apenas Srta. Lahr, como carinhosamente me trata o Sr. Queiroz!
Maria Cristina Lahr, a Cris, é hoteleira e atua na docência e na consultoria de negócios hospitaleiros. Saiba mais sobre ela no BeMyGuest, acessando o o link.
Créditos das imagens: arquivo pessoal
A história do Se. Benê é muito inspiradora, mesmo. Vim ler esse post anterior para depois ler o de hoje rsrs
ResponderExcluirTenho muita vontade de ingressar no ramo de hotelaria e hospitalidade. A vida me levou para o lado do suporte técnico em informática rsrsrs, mas eu sempre tive esse sonho. Um dia, pretendo mudar, procurar uma oportunidade na área!
Tive o privilégio de ter tido aulas com você no Senac Aclimação e foi muito satisfatório. Gosto muito e confio demais no Senac, assim como no sistema S em geral.
Parabéns pelo blog! Você faz um trabalho muito bom! Espero ter a oportunidade de ser sua aluna de novo!
Oi Ana, como você está? Agradeço suas palavras. É muito legal saber que é inspirador também pra você. Esperamos ter você novamente como nossa aluna.
ResponderExcluirUm grande abraço!